Sabe aquele clichê que diz que
todo homem deveria, antes de morrer, escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore? Bem, Daniel Brandão tem um filho - uma filha, pra ser exato -, esreveu e desenhou vários quadrinhos - conta como livro, não? - e, bem, não vou dizer que plantou uma árvore, mas seu
Curso de Desenho e Quadrinhos gera, periodicamente, muitos frutos, como o fanzine
À Queima Roupa.
A revista caminha por dois mundos: o das narrativas gráficas independentes, com toda criatividade e liberdade, e o dos fanzines undergrounds distribuídos em shows de bandas de rock durante a época do punk inglês e do grunge norte-americano: há momentos em que ele se aproxima do formato comum do quadrinho e há instantes em que você se sente dentro de um show do Sex Pistols. Estes mundos, tão distintos e que talvez não interagissem bem juntos, são unidos pela organização da revista. Ponto para Daniel Brandão e seus alunos.
O nome que melhor representa o segmento punk da HQ é Anderson Rodrigues, o responsável pela magistral capa. Suas duas histórias, Fator Universal do Transformismo e Frivolidade da Arte, poderiam ser trabalhos saídos do submundo do rock, e seus desenhos lembram o melhor do metal. A segunda história, no entanto, pouco seria vista como história em quadrinhos para a grande massa: nela, os convencionalismos das HQs são deixados um pouco de lado, a continuidade da narrativa é suprimida pelas ideias e o desenho deixa as páginas densas e obscuras, mas nada disso atrapalha seus temas e sua arte, que casam tão bem quanto o The Cure nos pubs subterrâneos de Londres.
Henrique Barbosa continua essa vertente punk. Sua história, O Nascimento do Anão Preto do Zói Azul, possui um teor político e social bem comum aos fanzines vistos em universidades. E em Cabra Mole, ele revela suas influências com uma aparição-relâmpago de um personagem do quadrinho nacional. A quadrinização é boa, mas os desenhos e a arte final merecem um pouco mais de cuidado.
Na outra praia da ilha, mais ligada à literatura e à cultura pop moderna, saindo do ambiente de Trainspotting, estão Robson ABS e Júlia Pinto. Robson possui um traço que revela suas inflências de desenhos japoneses, além de possuir uma quadrinização simples e bem acabada, preocupada com o enquadramento, a narrativa e a interação dos textos no quadro. Um trabalho bem limpo e divertido de ver. Suas referências são finas: há Clarisse Lispector e Tim Burton em suas páginas. Sua adaptação do conto Restos de Carnaval abre o quadrinho, uma escolha feliz na organização do zine – sem exageros e sem simplicidade. No ponto.
Júlia Pinto, por sua vez, talvez seja o fruto mais promissor da turma, com uma arte que revela talento, mas que precisa ainda ser lapidada pela prática constante. A primeira página de Gil é um agrado aos olhos, pois os desenhos revelam cuidado, feminilidade e universalidade. Infelizmente, a história torna-se um pouco confusa.
Em Marte, parece haver uma evolução na narrativa sem texto iniciada em Gil, mas uma falha de impressão no último quadro impede qualquer tipo de julgamento. E, assim como Robson, a autora também faz uma adaptação: do romance de John Grigman ela fez Confraria, que novamente revela seu talento para a nona arte, apesar do excesso de quadros e de texto esconderem o a-mais que Júlia ainda não mostrou.
E é em Máscaras, sem dúvida, onde Júlia mostra seu melhor trabalho. Com uma interação agradável entre texto e imagem, ela usa personagens conhecidos do público para falar sobre metáforas sociais. O texto simples e direto, as letras interagindo com os desenhos e com os balões de pensamento são uma amostra, embora tímida, que a autora entendeu bem o cerne do seu ofício.
Como um álbum de rock progressivo, a página de tiras antecipa o iminente final. Assim, há só mais duas histórias de Júlia e os solos de guitarra: uma pequena ilustração - xilogravura? - de Henrique, duas páginas com desenhos de Anderson Rodrigues, sempre justo aos temas que aborda, e um desenho bem feito de Robson ABS. Como bis, quatro poemas de Anderson, onde se sente o contato com Álvarez de Azevedo e os poetas byronianos da literatura brasileira.
É importante lembrar que À Queima Roupa é um quadrinho feito pelos alunos do Curso de Desenho de Daniel Brandão como projeto de conclusão de curso, e, apesar do cuidado, o tom de liberdade criativa e o desapego pela narrativa regrada são itens esperados em uma pré-leitura. Levando-se isto em conta, talvez algumas das mãos que trabalharam neste projeto não retornem às páginas da arte sequencial. Uma pena. No entanto, não descartemos o outro lado: de que muitos desejam se enveredar por este tortuoso caminho e melhorar seus trabalhos além do que foi mostrado aqui.
Publicação: Fortaleza, dezembro de 2009, 32 páginas, R$ 3,00.
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